segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Para as (suas) férias, a (minha) rotina

Completando hoje meu terceiro mês de Japão, gostaria de registrar algo que pouco exibi nas redes sociais: minha rotina. Por vezes, penso: “Por que publicaria sobre minha rotina, sendo que é tão mais divertido publicar somente os passeios e festejos? Seria muito chato!”. Acredito não estar tão errada assim, porém, comecei a sentir a necessidade de expor a rotina para que vocês, queridos leitores, possam acompanhar melhor minha estada aqui e sanar quaisquer dúvidas, posto que já fui abordada não só com perguntas de interesse positivo, como também com comentários infelizes que põem em dúvida a validade de eu estar aqui. Aproveito, inclusive, para agradecer cada palavra de incentivo e carinho com relação ao blog. Muito obrigada!

E vamos ao que interessa!

As perguntas que mais recebo são sobre o que eu estudo agora, em quantas horas por dia, quantos dias da semana, entre outras. Bem, desde outubro venho estudando apenas a língua japonesa, sobre a qual quero discorrer mais detalhadamente em vindoura postagem. Este curso, que é o intensivo, termina no mês de fevereiro. Ele é diário, de 8:40h às 15h, com intervalo de 50 minutos para almoço e intervalos de 15 minutos nos turnos da manhã e tarde. É composto por nove professores que eu poderia chamar de nove anjos da paciência, sendo eles: Mitani Sensei, Ri Sensei, Ishida Sensei, Sakai Sensei (a coordenadora do curso, mãe de todos), Nakao Sensei, To Sensei, Suzuki Sensei, Kato Sensei e Hori Sensei. Para que as aulas não fiquem repetitivas, Sakai Sensei prepara quinzenalmente uma escala de revezamento de conteúdos e tarefas entre os professores. Sendo assim, as aulas variam em: aulas de kanji (todos os dias, no primeiro horário), gramática, conversação, áudio, escrita, vocabulário e as aulas culturais. Aulas culturais? Sim, vamos a elas: aulas de receita, música, caligrafia japonesa, “quiz” (japonês ama um “quiz”!), entre outras, que mudam com o passar do tempo. Nestas aulas, os professores apresentam algo do Japão e, nas semanas seguintes, os alunos apresentam conteúdo semelhante, porém sobre seus respectivos países, em japonês. A exceção vai para a caligrafia japonesa, justificada pelo próprio nome!

Aí eu volto para casa e meu dia de estudos acabou, certo?! Não! Aí vem o famoso shukudai (dever de casa!). Todos os dias eu tenho ao menos um dever de casa. Caso não haja, não significa que estou à toa, pois não importa qual for o dia, sou obrigada a ler previamente o conteúdo da aula do dia seguinte no livro, para não chegar “crua” na mesma. E as provas? Constantes! A cada três dias, faço teste de kanji, cuja nota não é computada pelos professores, pois é apenas uma prévia da prova. A cada cinco lições de kanji (o que leva aproximadamente entre duas semanas e meia e três semanas), tenho prova. E o restante? A cada quatro lições do livro de gramática e etc. (que dura entre três semanas e um mês), faço cinco provas: gramática, áudio, redação, conversação e interpretação de texto. O enunciado das provas vem em inglês ou japonês? Depende. Os professores conhecem nosso alcance, o que faz com que venham cada vez mais enunciados apenas em japonês. E as notas? Vão muito bem, obrigada!

Friso que além da vida de estudante de japonês, há a vida de dona de casa, sobre a qual julgo ser totalmente descartável qualquer tipo de descrição. Limpeza, arrumação e cozinha só mudam o endereço.

E quando este curso acabar, o que acontece? Férias! E quando estas acabarem, começo minha pesquisa em Educação e, se quiser (e vou querer!), posso dar continuidade ao estudo da língua japonesa, porém não mais no curso intensivo.


Despeço-me com uma frase que ouço todos os dias e que os japoneses amam: Ganbatte Kudasai! がんばってください。 (Esforce-se, por favor!). Sempre e mais.

sábado, 12 de dezembro de 2015

“Ah, mas lá...”

Minha geração ainda carrega resquícios de um mundo que não era tão globalizado há algumas décadas. Recordo-me dos tempos de criança, quando era raríssimo conhecer alguém que tivesse feito uma viagem ao exterior e mais raro ainda era ter a oportunidade de ganhar um presente vindo de fora do país.

Pois bem, as razões econômicas da época justificavam este comportamento, mas o tempo passou. O avanço da comunicação e do comércio, atrelados ao aumento da produção em diversos países criou uma espécie de homogeneização do consumo e, em parte, da cultura. Não vou me estender na discussão geográfica da coisa (para isso tenho outro blog, temporariamente cancelado), vamos então entender o título deste post:

“Ah, mas lá...”

1) “Lá você só vai andar de trem-bala.”
2) “Lá você só vai comer sushi, sashimi, temaki e hot.”
3) “Lá você vai ter a internet mais rápida.”
4) “Lá você, professora, não vai precisar se curvar diante do imperador.”
5) “Lá você vai comprar um monte de coisas mais baratas que aqui.”

Ouvi essas e muitas outras. Como essas foram as mais recorrentes, é hora de esclarecer:

1)      O famoso trem-bala (Shinkansen - しんかんせん) é, de fato, uma excelente opção para viajar no Japão, não só pela rapidez como pela experiência (a qual ainda não tive). Porém, a brincadeira não sai barata. Tomemos como exemplo o percurso Tsukuba (cidade em que moro)-Osaka: a viagem noturna de ônibus leva aproximadamente 8 horas e custa cerca de 10 mil ienes (aproximadamente 320 reais, ida e volta). A mesma viagem, no Shinkansen (considerando um prévio deslocamento a Tóquio para poder embarcar) sai pelo DOBRO DO PREÇO (por 3 horas)! Então, não, as pessoas no Japão não andam de trem-bala o tempo todo.

2)      A culinária japonesa é muito rica em variedade de peixes e frutos do mar. Mas isso não significa que sushis e sashimis custem pouco. Depende muito de onde é comprado, se foi feito na hora ou não, etc. Além disso, pratos como ramen, gyumeshi, miso soup, nato, entre outros, fazem parte do cotidiano japonês. Então, esqueçam a ideia de que entrar no Japão é entrar em um restaurante japonês no Brasil. Não é.

3)       A internet! Não posso reclamar dos meus acessos. Uso um plano de 3G no celular, da NTT e, no dormitório, tenho uma internet que chega ao computador através de um lindo cabo azul que atravessa o quarto. Ambos atendem bem minhas necessidades, mas isso não significa que eu consiga ver muitos vídeos no 3G, por exemplo, ou que um vídeo longo nunca irá travar no computador. Existe a internet super rápida aqui? Existe, lógico! Mas para tê-la, basta pagá-la (entendeu?).

4)      Uma das publicações mais compartilhadas por professores no Brasil, a do imperador! Parem, por favor. Todo mundo aqui se curva, não somente diante do imperador, como diante de qualquer autoridade. Até mesmo se a pessoa for considerada subordinada a você, você pode se curvar (um pouco menos) a ela também. O que pode se afirmar é que os professores são muito respeitados, isso com certeza. Algumas pessoas japonesas com as quais tive oportunidade de conversar até aumentaram a formalidade da conversa após descobrir que sou professora. Mas ter esta autoridade não significa anular o respeito ao imperador.

(Observação relacionada ao tópico: dia 23 de dezembro é aniversário do Imperador e, portanto, feriado nacional! E não, 25 de dezembro não é feriado. Não discutam.)

5)      O custo de vida no Japão é alto. No Brasil, temos a tendência em achar que tudo o que se compra fora do país vai ser mais barato. Isso pode funcionar para muitos produtos nos EUA, mas não aqui. Não vou generalizar. Lógico que o brinquedo nerd, que veio da série ou do vídeo-game nerd, lançado nas lojas de nerd do Japão e vendido no mundo todo, vai ser mais barato aqui. Mas as coisas mais básicas e necessárias, como roupas, sapatos, material escolar, etc, são caros. Obviamente, se ganha para isso. Mas é muito fácil perder o controle, até porque o consumismo aqui é absurdo. Consumir é esporte.

Então se alguém ainda se engana com meu retorno no estilo “muambeira”, sinto muito pela decepção que posso ter causado.


Livremo-nos, aos poucos, dos boatos de uma época com menos comunicação, cujos resquícios ainda perduram. Incluo-me neste grupo. Mas aprendo, a cada dia, a desmistificar estas coisas.


quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Primeira visita a um colégio

Terça-feira passada, dia 3 de novembro, acompanhei minha coordenadora e meus colegas bolsistas do MEXT Teacher Training em uma visita ao colégio Komaba, o qual pertence à Universidade de Tsukuba, porém está localizado em Tóquio, nas proximidades de Shibuya. É um colégio somente para meninos e funciona do sexto ano do Ensino Fundamental ao terceiro do Médio. (Observação: não sei se a Universidade de Tsukuba oferece colégio para meninas e/ou misto, pretendo me informar sobre.)

Eu não sabia o que eu iria fazer lá, apenas fui informada de que iríamos visitar. Imaginei uma visita rápida, com as atenções voltadas a nós (estrangeiros), com possíveis conversas com professores locais e talvez alguma ensaiada apresentação nossa em japonês (estou craque em fazer isso já). Chego ao colégio e me deparo com uma feira de conhecimentos. Logo penso: "Vou ver toda a tecnologia e as melhores performances que o Japão pode oferecer em uma escola." Por minutos, enquanto atravessava o portão e o primeiro pátio, pensava em robôs, sensores, etc.

Sabem o que vi?! Vamos à lista:

- Cartazes: Sim, cartazes! Aquela cartolina básica, pintada com lápis de cor e canetinha, com informações que provavelmente muita gente já sabe, mas que para aqueles alunos representava aquilo que estavam aprendendo. Era simples, mas era completo. Do pouquíssimo que entendo de japonês, dava para perceber que não tinha trabalho mal feito, "empurrado com a barriga", tudo tinha introdução, desenvolvimento e conclusão, além das fontes dos dados.
- Trabalhos manuais: Foi uma das partes que mais gostei. A arte sempre me encantou! Tinha desenhos à lápis, à caneta, recortes, pequenas esculturas, origamis, pinturas... Alguns mais detalhados, digamos perfeitos, outros nem tanto, mas com notável esforço empregado.
- Maquetes: toda feira tem a clássica maquete do vulcão! No Japão não é diferente! Tinha a do vulcão, a do trem, a da flora e fauna, a dos deslizamentos... Com isopor, argila, tinta e muito capricho! <3
- Seres vivos: quando possível e permitido, por que não explicar certos bichinhos e plantas?!
- Reações químicas: outro clássico das feiras de conhecimento, com coisas que explodem, mudam de cor, fedem, somem... 
- Música: foi maravilhoso o show! Os meninos da filarmônica arrebentaram!

Bem, se tudo foi como em muitas feiras que estamos habituados a ver nas nossas escolas brasileiras, por que escrevo este texto? Vamos às diferenças:

- Não vi uma confusão entre alunos. Ninguém brigou com ninguém por "ter dado a hora de revezar para ir embora", por "não ter espaço e material suficiente", pelo "professor não ter chegado ainda", e por aí vai...
- Não vi um lixo no chão. Ninguém se aproveitou de um grande evento para dar uma de relaxado e deixar que os organizadores limpassem.
- Não vi professores desesperados, afobados, tendo que "salvar trabalhos" na última hora, para ter algum reconhecimento.
- Não vi um sinal de escola depredada. E não pensem vocês que tudo é novo e sempre reposto, não! Tem móveis e equipamentos visivelmente antigos, gastos com o tempo e o uso, mas que ainda são muito úteis e ninguém deu a desculpa de "estar velho demais, depois a escola compra outro" para quebrar, rabiscar e estragar. O mesmo vale para as paredes, escadas, portas, maçanetas, etc.
- Não vi gente impaciente. Todo mundo esperou a vez de todo mundo, fosse na fila da comida, da bebida, das apresentações...


Eu vi boa vontade. Alunos que realmente querem estudar. Professores que provavelmente (com certeza, vai...) são valorizados e conseguem realizar excelente trabalho. Vi coisas simples, não inéditas, mas esmiuçadas ao máximo para que realmente houvesse absorção do conhecimento, e não apenas uma grande tentativa de performance daquilo que não se aprendeu apenas para atrair público. Vi disciplina, sem terror nem demagogia.

Caros colegas, não tem mistério. O giz ainda existe aqui! A profundidade dos assuntos é que faz a diferença.


quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Um mês e muitas histórias

Hoje faz um mês que estou no Japão. Um mês de muitas fotos e explicações diversas enviadas ao Brasil, diariamente; um mês comprando comida sem saber exatamente o que é; um mês sentindo a maior sensação de segurança, como nunca.

Este blog nasceu das ideias de duas queridas: Patrícia, professora de Biologia que trabalha comigo; e Natália, amiga de uma vida inteira. Patrícia, na verdade, sugeriu um livro. Quem sabe, um dia...

Bem, para início de conversa vamos ao...início! A pergunta que muitos japoneses (e brasileiros) fazem para mim: "Por que você escolheu o Japão?". A resposta é simples: "O Japão me escolheu."

Explico:

Tudo começou em fevereiro, com um e-mail enviado pela minha diretora de uma das escolas estaduais em que trabalho, no estado do Rio de Janeiro, comunicando a notícia que estava na página da Secretaria de Estado de Educação. Nesta notícia havia a informação de que professores da rede poderiam se inscrever em processo seletivo para concorrer a uma bolsa de estudos no Japão, por um ano e meio. Pensei: "Por que não? Seria uma ótima oportunidade e não tenho nada que me obrigue a ficar no Brasil nesse período."

NUNCA imaginei vir ao Japão, nem estudar japonês. Não sou "chegada" em mangás, nem em desenhos animados japoneses, nem música japonesa, nem videogame. No máximo, na comida (falarei muito sobre ela ainda, aguardem...). Não estou afirmando que essas coisas são ruins, apenas não fazem parte do meu universo. Mas sempre imaginei como seria uma escola japonesa. E o e-mail recebido despertou mais ainda a curiosidade.

Resolvi, então, fazer o processo seletivo junto ao Centro Cultural do Consulado Geral do Japão no Rio de Janeiro. Passei por etapas de análise de projeto, exames médicos, prova de inglês, currículo, etc. Quem acompanhou minha rotina naqueles meses do processo seletivo sabe o quanto foi suado e almejado! Chegou junho, passei. E agora? Corri para tirar visto, tirar licença (talvez um dia, com muita delicadeza, ainda reserve meu precioso tempo para falar sobre esta parte), arrumar malas e tentar estudar mais japonês (que decidi começar a aprender em março, muito antes do resultado, por precaução) e preparar a cabeça para conceber a ideia de ficar um ano longe de família, amigos, namorado, cachorro, casa, alunos, etc.

As reações foram das mais variadas, mas todas com um tom de incentivo. A primeira, logo quando li o e-mail lá em fevereiro, foi a da minha mãe: "Tentar bolsa pro Japão, vai comer o que lá?" Mães... As muitas outras se expressaram em palavras, cartas, presentes, abraços, beijos, festas e homenagens. Sem todo esse combustível de calor humano, não aguentaria vir e nem permanecer aqui (obrigada também à internet, que facilita muito a vida!).

Espero poder compartilhar o que sinto e vivo aqui. Bem-vindos ao meu Japão!

Irashaimase!