sábado, 12 de dezembro de 2015

“Ah, mas lá...”

Minha geração ainda carrega resquícios de um mundo que não era tão globalizado há algumas décadas. Recordo-me dos tempos de criança, quando era raríssimo conhecer alguém que tivesse feito uma viagem ao exterior e mais raro ainda era ter a oportunidade de ganhar um presente vindo de fora do país.

Pois bem, as razões econômicas da época justificavam este comportamento, mas o tempo passou. O avanço da comunicação e do comércio, atrelados ao aumento da produção em diversos países criou uma espécie de homogeneização do consumo e, em parte, da cultura. Não vou me estender na discussão geográfica da coisa (para isso tenho outro blog, temporariamente cancelado), vamos então entender o título deste post:

“Ah, mas lá...”

1) “Lá você só vai andar de trem-bala.”
2) “Lá você só vai comer sushi, sashimi, temaki e hot.”
3) “Lá você vai ter a internet mais rápida.”
4) “Lá você, professora, não vai precisar se curvar diante do imperador.”
5) “Lá você vai comprar um monte de coisas mais baratas que aqui.”

Ouvi essas e muitas outras. Como essas foram as mais recorrentes, é hora de esclarecer:

1)      O famoso trem-bala (Shinkansen - しんかんせん) é, de fato, uma excelente opção para viajar no Japão, não só pela rapidez como pela experiência (a qual ainda não tive). Porém, a brincadeira não sai barata. Tomemos como exemplo o percurso Tsukuba (cidade em que moro)-Osaka: a viagem noturna de ônibus leva aproximadamente 8 horas e custa cerca de 10 mil ienes (aproximadamente 320 reais, ida e volta). A mesma viagem, no Shinkansen (considerando um prévio deslocamento a Tóquio para poder embarcar) sai pelo DOBRO DO PREÇO (por 3 horas)! Então, não, as pessoas no Japão não andam de trem-bala o tempo todo.

2)      A culinária japonesa é muito rica em variedade de peixes e frutos do mar. Mas isso não significa que sushis e sashimis custem pouco. Depende muito de onde é comprado, se foi feito na hora ou não, etc. Além disso, pratos como ramen, gyumeshi, miso soup, nato, entre outros, fazem parte do cotidiano japonês. Então, esqueçam a ideia de que entrar no Japão é entrar em um restaurante japonês no Brasil. Não é.

3)       A internet! Não posso reclamar dos meus acessos. Uso um plano de 3G no celular, da NTT e, no dormitório, tenho uma internet que chega ao computador através de um lindo cabo azul que atravessa o quarto. Ambos atendem bem minhas necessidades, mas isso não significa que eu consiga ver muitos vídeos no 3G, por exemplo, ou que um vídeo longo nunca irá travar no computador. Existe a internet super rápida aqui? Existe, lógico! Mas para tê-la, basta pagá-la (entendeu?).

4)      Uma das publicações mais compartilhadas por professores no Brasil, a do imperador! Parem, por favor. Todo mundo aqui se curva, não somente diante do imperador, como diante de qualquer autoridade. Até mesmo se a pessoa for considerada subordinada a você, você pode se curvar (um pouco menos) a ela também. O que pode se afirmar é que os professores são muito respeitados, isso com certeza. Algumas pessoas japonesas com as quais tive oportunidade de conversar até aumentaram a formalidade da conversa após descobrir que sou professora. Mas ter esta autoridade não significa anular o respeito ao imperador.

(Observação relacionada ao tópico: dia 23 de dezembro é aniversário do Imperador e, portanto, feriado nacional! E não, 25 de dezembro não é feriado. Não discutam.)

5)      O custo de vida no Japão é alto. No Brasil, temos a tendência em achar que tudo o que se compra fora do país vai ser mais barato. Isso pode funcionar para muitos produtos nos EUA, mas não aqui. Não vou generalizar. Lógico que o brinquedo nerd, que veio da série ou do vídeo-game nerd, lançado nas lojas de nerd do Japão e vendido no mundo todo, vai ser mais barato aqui. Mas as coisas mais básicas e necessárias, como roupas, sapatos, material escolar, etc, são caros. Obviamente, se ganha para isso. Mas é muito fácil perder o controle, até porque o consumismo aqui é absurdo. Consumir é esporte.

Então se alguém ainda se engana com meu retorno no estilo “muambeira”, sinto muito pela decepção que posso ter causado.


Livremo-nos, aos poucos, dos boatos de uma época com menos comunicação, cujos resquícios ainda perduram. Incluo-me neste grupo. Mas aprendo, a cada dia, a desmistificar estas coisas.


8 comentários:

  1. Aninha, eu acho que com essa postagem você tirou muitas dúvidas com relação a muitas coisas e (pra mim) só confirmou que a comida japonesa é sim ligeiramente diferente da japonesa do Brasil e ainda continuo morrendo de curiosidade de provar a "original"!
    Ah é não tem problema nenhum de trazer uma lembrancinha na mala ou melhor uma mala só de lembranças e recordações! Rs
    Continuo acompanhando sua viagem, me divertindo bastante com as curiosidades também!
    Continue atualizando a todos nós! lol
    Bjs

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  2. Ai Ana, transforma esse blog num livro que eu faço a orelha. Maravilhosos seus textos. Continue, não pare mais. Bjos

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  3. Ai Ana, transforma esse blog num livro que eu faço a orelha. Maravilhosos seus textos. Continue, não pare mais. Bjos

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  4. Concordo com o Bruno! Escreva um livro!!! Bjs

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  5. Concordo com o Bruno! Escreva um livro!!! Bjs

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  6. Muito legal, Ana. O registro escrito, mesmo que virtual (e se fosse sólido desmanchar-se-ia no ar: boa ideia, a do livro), perdura. É bom saber a verdade, a realidade experimentada in loco. Mas não desmi(s)tifique tanto (preconceitos e clichês, sem dúvida, devem ser eliminados) pois "Phantasie ist wichitiger als Wissen, denn Wissen ist begrenzt". Bjs.

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  7. Oi, Ana! Gostei muito do texto. É muito bom desmistificar estas coisas. Bjs

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  8. Oi, Ana! Gostei muito do texto. É muito bom desmistificar estas coisas. Bjs

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